segunda-feira, 5 de maio de 2014

Caminhoneiros trocam rebite pela cocaína para trabalhar mais

Correio do Povo mostrará a situação dos “zumbis do volante”

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Acidentes envolvendo caminhões ocorrem por falha humana, principalmente por conta da fadiga 

Crédito: Mauro Schaefer

A cocaína se transformou no novo “estimulante” dos caminhoneiros que trafegam pelas rodovias brasileiras. Estudos comprovam que os profissionais estão trocando a anfetamina pelo pó na ilusão de que poderão suportar por mais tempo as longas jornadas de trabalho, que muitas vezes se estendem por mais de 16 horas. Levantamento da Universidade de São Paulo (USP) e de instituições ligadas ao trânsito mostram que pelo menos 33% dos motoristas de caminhão utilizam entorpecentes para cumprir a carga horária. O Correio do Povo inicia uma série de reportagens, que se estende até quarta-feira, mostrando a situação dos “ZUMBIS DO VOLANTE”.


Dados de pesquisa feita pela USP com caminhoneiros que circulavam pelas rodovias federais do Rio e de São Paulo indica que de 308 profissionais entrevistados, 10 (3,5%) usavam cocaína. Já pesquisas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre mostram que 75% dos acidentes envolvendo caminhões ocorrem por falha humana, principalmente por conta da fadiga e, em alguns casos, é possível comprovar que o motorista estava sob o efeito de alguma substância ilegal.



Um dos acidentes ocorridos em solo gaúcho vitimou o jornalista Paulo Ferreira, o Paulão, e o cinegrafista Ezequiel Barbosa, da TV Bandeirantes, que em 2012 morreram atingidos por um caminhão, na ERS 122, em Farroupilha. Testes de laboratório comprovaram a existência de anfetamina no organismo do caminhoneiro.



Equipes do Correio do Povo e da TV Record/RS percorreram 2.258 quilômetros entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina e trafegaram pelas rodovias com maior circulação de caminhões. Em cinco dias, os repórteres vivenciaram a degradação e as dificuldades por que passam esses profissionais e as pessoas que vivem no entorno. Nesta segunda-feira, os telejornais da Record também exibirão a reportagem.



Traficantes usam coca como engodo



Os caminhoneiros estão substituindo a anfetamina pela cocaína gradativamente, sem perceber o risco ainda maior que correm. Esta troca de substâncias tem explicações em uma espécie de estratégia aplicada pelos traficantes. Um caminhoneiro, que se identificou apenas como Juarez, 51 anos, aceitou falar com o Correio do Povo sob a condição de que não fosse fotografado. Enquanto jantava em Itajaí (SC), em um restaurante anexo ao posto de combustível onde havia estacionado o caminhão, ele se dizia contra o uso de tóxico ao volante. “Nunca usei isso (droga)”, garante o homem, que é natural da cidade de Bonito (MS).


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Os motoristas são levados a acreditar que a cocaína deixa a pessoa acordada por mais tempo do que a anfetamina. “Eles chegam a dizer que o pó pode fazer com que o caminhoneiro fique 90 horas dirigindo e estas pareçam mais curtas, evitando o cansaço”, conta Juarez, com 20 anos de profissão.



“Não critico quem consome essa droga, mas acho uma judiaria o que fazem com o próprio organismo”, lamenta. A diferença no preço faz parte da tática dos traficantes para atrair os consumidores. Uma buchinha, com cerca de um grama de cocaína, custa entre R$ 15,00 e R$ 20,00. Já a cartela de rebite, com oito a dez comprimidos, é vendido por R$ 60,00. Para Juarez, no final, o caminhoneiro paga quase a mesma coisa. “Fica apenas a ilusão de que com uma ou duas buchinhas irá mais longe”, observa.



Colegas de profissão de Juarez concordam que a migração do rebite para a cocaína se dá muito mais em função da dificuldade de conseguir a droga, principalmente no Rio Grande do Sul. O rebite, que nada mais é do que um remédio para emagrecer, mas que teve as vendas controladas nas farmácias, quando não proibidas, faz com que a droga seja mais fácil de conseguir em cidades portuárias ou situadas na zona de fronteira. A cocaína pode ser comprada à beira da rodovia ou até mesmo pelo serviço de tele-entrega.



Textos dos repórteres Paulo Roberto Tavares e Cíntia Marchi.




mais


MOTORISTA ADMITE USO DE COCAÍNA PARA EVITAR O RISCO DE PERDER PRAZOS


Lei que disciplina a jornada de trabalho e o tempo de descanso dos motoristas profissionais volta às rodas de discussão


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´´A compra é feita por tele-entrega´´, diz caminhoneiro sobre drogas 

Crédito: Mauro Schaefer

Pedro (o nome é fictício) tem 28 anos, é natural de Goiânia (GO) e está na estrada há sete anos. Percorrendo o país de Norte a Sul, ele precisa ficar o máximo que pode ao volante para não sofrer com o risco de perder dinheiro, caso ocorra algum atraso nas entregas das cargas. Na noite fria do dia 25 de abril, Pedro estava em um posto de combustível, na cidade portuária de Itajaí. Conversava com colegas de profissão, sentado em um banco. O contato com a imprensa se deu de forma natural. Sem se preocupar com a presença dos jornalistas, o caminhoneiro admitiu ter cocaína, sem constrangimento, assim como os demais.


Enquanto caminhava na direção do caminhão, Pedro revelou já ter usado anfetamina, o popular rebite. Mas com o tempo, o organismo foi exigindo doses maiores da droga. Além disso, ficou sabendo que os remédio para emagrecer podem colaborar para o desencadeamento de sérios problemas cardíacos. Resultado: migrou para a cocaína, acreditando não ser tão nociva quanto “os comprimidos”.



Segundo ele, há cerca de três anos era mais fácil comprar o entorpecente. Muitos adquiriam o pó pelo cartão de crédito, nos postos de combustíveis. Embora estivessem comprando cocaína, a nota fiscal discriminava a compra de óleo diesel. Atualmente, o patrulhamento nestes locais e uma vigilância mais cerrada inibiram o comércio por intermédio de frentistas. A alternativa foi recorrer a traficantes. “Não tem no posto (a cocaína)”, ressalta. “A compra é feita por tele-entrega”, explica.



O consumo do narcótico, segundo ele, deixa a pessoa mais confiante. Tão confiante que esquecem inclusive de dormir. As horas parecem não passar. Rodam quilômetros e quilômetros sob o efeito do entorpecente. “A pressão do horário para entregar a carga é o que nos leva a isso”, justifica. “Se atrasarmos, somos descontados e, muitas vezes, ficamos no final da fila para podermos descarregar”, diz.



No entanto, admite ter consciência dos riscos que o uso do pó implica. Para Pedro, os profissionais precisam ter em mente que sempre terá uma família esperando por eles. “Somos uma classe desvalorizada”, reclama o caminhoneiro, pouco depois de fazer uso da droga.



A Lei do Descanso



Sancionada há dois anos, a lei que disciplina a jornada de trabalho e o tempo de descanso dos motoristas profissionais volta às rodas de discussão. Parte dos deputados federais defende alterações na legislação, alegando adaptação à realidade dos caminhoneiros e motoristas de ônibus no Brasil. A votação de um projeto de lei, que permitiria mais horas de trabalho diário, entre outros, está prevista para ocorrer no Congresso Nacional.


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De outro lado, parte da sociedade argumenta que, se a lei for alterada, provocará um retrocesso, sobretudo em relação à segurança nas estradas. O procurador do Ministério Público do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes diz que se a proposta for aprovada, alterando a homologada em 2012, recorrerá ao Supremo Tribunal Federal.



“Esta matéria que estão propondo é inconstitucional”, diz o procurador, que coordena nacionalmente um trabalho em defesa da aplicação integral da lei em vigor. Segundo Moraes, o novo texto seria inconstitucional porque propõe 12 horas de direção, incluindo quatro horas extras, violando o limite de oito horas de trabalho e o descanso.



Segundo o procurador, o nível de descumprimento da legislação ainda é alto, mas a obediência de uma parcela dos motoristas já teria registrado resultados positivos. “Em menos de dois anos em vigor, estimamos que a lei evitou cerca de 1,6 mil mortes somente nas rodovias federais”, relata.



No Rio Grande do Sul, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS), houve 1.770 acidentes com vítimas fatais, em 2013, e o registro de 1.984 mortes. Estas ocorrências envolveram 3.055 veículos. Destes, 497 (16,3%) foram caminhões. No ano anterior, contudo, o total de acidentes foi de 1.854, resultando em 2.091 mortes. Foram envolvidos 3.136 veículos, destes 445 (14,25%) eram caminhões.



Descanso e segurança na pauta da categoria



O deputado federal Vilson Covatti, que é vice-presidente da comissão especial que discute as modificações na lei, diz que várias audiências foram realizadas no Rio Grande do Sul para construção das novas propostas. Foram feitas reuniões em Três Cachoeiras, Garibaldi, Uruguaiana, Porto Alegre e Palmeira das Missões. “Esta é uma lei burra que gera multas arbitrárias, porque falta infraestrutura no Brasil. Não é possível exigir obrigações, sem a contrapartida.”



Segundo o parlamentar, a lei vigente provocou 30% de aumento nos custos de fretes, o que atinge os produtores rurais, agropecuaristas e empresas que escoam suas safras e produtos pelas estradas brasileiras. O vice-presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fecam), André Luis Costa, reconhece que o entendimento sobre a legislação não é unânime. As empresas transportadoras e os trabalhadores, muitas vezes, diferem o modo de pensar em alguns pontos.



“O Estado não deveria determinar a postura de trabalho do motorista autônomo, se não oferece segurança e se não assegura o seu descanso”, critica, ao salientar que “o Estado não se preparou para o volume de cargas transportadas”.



O que muda



• Seis horas ininterruptas ao volante, por 30 minutos de descanso.
• Poderão ser feitas quatro horas extras diárias (pagas e compensadas no banco de horas).

• Sobre o tempo de descanso, a lei vigente diz que, depois de um dia de jornada, o intervalo para descanso deve ser de 11 horas. Pela proposta nova, permaneceriam as 11 horas, mas poderiam ser fracionadas, desde que garantido o descanso de oito horas, as outras três poderiam ser conciliadas com as paradas de meia hora e de refeição.



*Textos dos repórteres Paulo Roberto Tavares e Cíntia Marchi. 




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