sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

SP "reconhece" precariedade em canavial.

RIBEIRÃO PRETO - São Paulo SP 
A cada um minuto trabalhado, um cortador de cana-de-açúcar faz 17 flexões de tronco, aplica 54 golpes de facão, deixa o joelho o tempo todo semiflexionado e estende a coluna cervical. Mas faz mais: corta e carrega em média 12 toneladas de cana por dia, percorre 8.800 m e, no final do dia, computa a perda de oito litros de água.
Os dados integram estudo da Secretaria de Estado da Saúde, com base em inspeções em 197 usinas de 144 cidades do Estado entre 2007 e 2009, que deve nortear uma regulamentação neste ano, para melhorar as condições de trabalho no setor.
"Reconhecemos que esses problemas existem há alguns anos e já trabalhamos para melhorar muitas coisas. Mas, mesmo que tardio, o diagnóstico vai ajudar a melhorar ainda mais o trabalho desses cortadores", disse a diretora da Vigilância Sanitária Estadual, Maria Cristina Megid.
Agora, segundo ela, é preciso normatizar as condições físicas e estruturais de trabalho dos boias-frias. O estudo mostra ainda que 40% da água fornecida para os trabalhadores beberem não atendem aos requisitos de potabilidade. Em cinco anos, ao menos 23 cortadores morreram supostamente devido ao excesso de trabalho.
Para especialistas, o reconhecimento do Estado quanto à precariedade nas lavouras é tardio, mas pode sinalizar um avanço na criação de políticas públicas.
Com base no estudo, um grupo da Secretaria da Saúde está elaborando uma normativa para disciplinar as condições sanitárias nas frentes de trabalho. Entre as principais normas estão a padronização da qualidade e distribuição de água e alimentos e a instalação de sanitários, refeitórios e locais de descanso. Ainda não há data para que seja cumprida.
As usinas dizem que, com a mecanização e o fim da queima da cana até 2017, os problemas devem diminuir.
O boia-fria José Cardoso Barbosa, 59, há 20 na profissão, não quer esperar tanto tempo. Ele, que chega a cortar 14 toneladas de cana por dia, disse que nas safras, em Dobrada, sente muitas dores na coluna e no braço esquerdo, usado para abraçar a cana a ser cortada.
Sua mulher, Eulina Soares dos Santos Barbosa, 55, boia-fria há dez anos, corta em média sete toneladas diárias. "Ela sente mais dores nos braços e coluna que eu. A idade vai chegando e, para ela, fica mais difícil ainda."
A diretora da Vigilância, no entanto, disse que a situação já começou a melhorar nos últimos anos. "Desde 2009, criamos critérios para que os alojamentos fossem adequados às necessidades. Isso já foi um avanço."
MEMÓRIA
Boias-frias mortos chegam a 23 em 5 anos
Dados da Pastoral do Migrante de Guariba mostram que pelo menos 23 cortadores de cana morreram nos canaviais paulistas entre os anos de 2004 e 2009.
Alguns morreram supostamente por exaustão, devido ao trabalho árduo no corte, enquanto outros podem ter sido vítimas da falta de cuidado com a saúde.
Antônio Ribeiro Lopes, por exemplo, tinha 58 anos quando passou mal num canavial de Guariba, em 2008, e morreu de problemas cardiopáticos.
Ele cortava 16 toneladas de cana por dia e tinha dores nas pernas, nos joelhos e na cabeça. Sofria da doença de Chagas, mas continuou no trabalho.
Já Valdecy de Lima, que também trabalhava em Guariba, desabou no campo em 7 de julho de 2005. Morreu aos 38 anos, de acidente vascular cerebral. Em 17 de junho, tinha cortado 16,5 toneladas.
Por: Hélia Araújo


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